domingo, 12 de agosto de 2012

Poesia para Botânicos


A Sementinha Feia

Era um pedaço de pó,
tão pequena era a semente!
Sem jeito, ficava a sós
num canto escuro, dormente.
Era tão seca que só
sonhava rios, enchentes.

Era insossa experiência,
desprezível paladar.
Não havia um só inseto
faminto a lhe desejar.
As aves que aqui semeiam
não queriam lhe papar.

Desejava ter arilos
como mantos saborosos -
tez macia-adocicada
dos ingás vertiginosos-,
o leite euforbiácea
- seios fartos, desejosos.

Desejava ter as asas
das sementes dos ipês
e, das brisas vespertinas -
mornas - ficar a mercê
e povoar novos campos
sem adondes nem porquês.

Desejava ter as cores
da bonita olho-de-cabra...
No ladinho uma boa pinta
sobre a pele lisa, glabra
e vestir, na senescência,
o roxo da hora macabra.

Desejava ter o aroma
que reveste o açaí...
ou do cacau fermentado,
do cravo, do licuri,
do óleo da sucupira...
odor doce do pequi...

Queria ter a textura
de veludo do cajá
ou do imbu, de outras sementes...
O liso do jatobá,
a casca firme, teimosa
da castanha-do-pará.

Desejava ser o adorno
do índio, do curandeiro,
a semente disputada
nos jogos de tabuleiro...
Ser o trigo da canção
do grande cantor mineiro.

Era tudo o que queria,
a semente poeirenta:
ser o grão da feijoada,
ser o milho da polenta...
Ter uma carne umedecida,
crassulácea... Suculenta.

Dizem que não era inveja.
Era uma baita insegurança
por ter sido desprezada
pela rude vizinhança.
- Tem planta que não se enxerga
e não cultiva a bonança!

E assim vivia a semente -
se é que isso é viver.
Na densa mata sombria
só desejava não ser!
Quanto mais dela zombavam
menos conseguia ver.

Mas, por ser tão desejosa,
o tempo foi ralentado:
os pingos d'água na mata
eram um relógio marcando
os segundos dessa vida
que por nós passa voando.

Da pequenina semente
apontou um embrião
que se deitou sobre um tronco
da mata, na escuridão.
Surgiram, então, longa folha
e um majestoso pendão.

E da verde haste brotaram
cachos de vermelhas flores
que, ao bocejar, liberavam
o mais raro dos odores.
Atração quase fatal
dos insetos, beija-flores.

Flores de rara textura.
Folhas que logo sugavam
a umidade do ar.
Sementes que funcionavam.
Raízes adaptadas...
Enfim, nada lhe faltava.

E na poça onde dormiam
a chuva e um tempo sem cor,
à primeira luz do dia
foi que a planta se enxergou...
orquídea. A menor semente.
A mais preciosa flor.

(Paulo Robson de Souza - "A Síntese de Poesia")

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